RUSUMO
A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) é uma estratégia da Análise Comportamental Clínica que vem se expandindo para diversos países ao longo das décadas. Porém, em alguns países da Europa, mais especificamente na Alemanha, ela ainda parece incipiente. O presente estudo tem o objetivo de identificar as terapias utilizadas por psicólogos alemães e de investigar os usos e a aceitação de técnicas similares às da FAP em suas práticas clínicas. Para tal, foram convidados a participar do estudo 1.586 terapeutas alemães, de orientação comportamental, atuantes na área clínica. Os participantes responderam a um questionário contendo dez perguntas em escala Likert de quatro pontos e a duas questões de múltipla escolha. Foi conduzida uma análise descritiva e exploratória e técnicas estatísticas multivariadas. Cinquenta terapeutas responderam ao questionário. Os resultados indicaram que a maioria deles aplica, no contexto clínico, procedimentos que se assemelham às técnicas terapêuticas da FAP e os avaliam como terapêuticos.
Palavras-chave: psicoterapia analítica funcional; psicologia na Alemanha; terapias contextuais; terapia comportamental; transculturalidade.
A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) é uma estratégia terapêutica analítico-comportamental originalmente concebida nos Estados Unidos. Ela vem se expandindo para diversos países ao longo das décadas (Ferro & Valero, 2015; Kohlenberg & Tsai, 1987; 1991; Kohlenberg, Tsai, & Kanter, 2009; Mangabeira, Del Prette, & Kanter, 2012; Singh, 2016). Em alguns países da Europa, como na Alemanha, Itália e Suíça, o surgimento da FAP parece ainda incipiente segundo um levantamento realizado por Mangabeira, Del Prette e Kanter (2012).
A FAP tem sido aplicada a diversas populações (Singh, 2016) e tem sido combinada a outras terapias (Kanter, Tsai, & Kohlenberg, 2010). Nos últimos 20 anos, a FAP vem sendo pesquisada principalmente na América do Norte e na América do Sul (Mangabeira et al., 2012). Na Alemanha, somente duas publicações sobre a FAP foram recuperadas pelos autores do presente estudo no ano de 2015 (Schneider, 2010; Scholz, 2005).
Darrow, Dalto e Follette (2012) consideram que a habilidade de responder contingentemente ao comportamento do cliente seja o ponto central da FAP. Segundo os autores, o responder contingente ao comportamento do cliente poderia ser, inclusive, um critério norteador de medidas de integridade do tratamento e da aderência do terapeuta à FAP. Ao conduzir a FAP, o terapeuta modela comportamentos interpessoais no repertório do cliente. Assim, nesse procedimento, segundo Darrow et al., (2012), a topografia das respostas do terapeuta é menos importante do que sua função, que é reforçar certos comportamentos interpessoais do cliente. Estudos com uso de delineamentos experimentais de caso único, investigando a FAP, parecem corroborar a noção de que o responder contingente é uma técnica essencial de um tratamento com a FAP (Lizarazo, Muñoz-Martínez, Santos, & Kanter,2015; Meurer, 2011).
No que se refere à transculturalidade, a qual costuma apresentar barreiras para o manejo das sessões (Sue & Sue, 1977), a FAP destaca-se por apresentar vantagens para a condução de sessões com terapeutas e clientes de diferentes culturas, uma vez que seus procedimentos estão centrados na relação terapêutica (Fong, Catagnus, Brodhead, Quigley, & Field, 2016; Vandenberghe, 2008; Vandenberghe et al., 2010). Aparentemente, mesmo em terapias praticadas em culturas diferentes, os chamados fatores terapêuticos comuns são ingredientes indispensáveis para o sucesso do tratamento (Lambert & Barley, 2001). As cinco regras da FAP recomendam comportamentos compatíveis com alguns dos fatores terapêuticos comuns. Afinal, elas orientam o terapeuta a observar a ocorrência de comportamentos clinicamente relevantes (CRBs), a evocar CRBs, a responder contingentemente a eles, a observar o efeito de seu comportamento no do cliente, a fornecer interpretação com análises funcionais e a programar a generalização (Kohlenberg & Tsai, 1991; Kohlenberg et al., 2009).
Assim, é razoável supor a existência de aproximações entre a prática de terapeutas comportamentais alemães e as técnicas da FAP, ainda que essa estratégia psicoterápica seja pouco conhecida na Alemanha. O presente estudo teve o objetivo de identificar as terapias praticadas por psicólogos comportamentais alemães e de investigar os usos e a aceitação de técnicas similares às da FAP em suas práticas profissionais.
MÉTODO
Participantes
Foram convidados a participar do estudo 1.586 (N=1.586) psicólogos alemães, profissionais graduados em Psicologia com conhecimento sobre princípios de aprendizagem respondente e operante e que atuam na área clínica. Desses, 847 são profissionais cujos e-mails ou homepages encontram-se disponíveis no site www.therapie.de no ano de 2015, e 139 são profissionais, membros da Sociedade de Língua Alemã para Ciências Comportamentais e Contextuais (Deutschsprachige Gesellschaft für kontextuelle Verhaltenswissenschaften e. V., DGKV), subdivisão da Association for Contextual Behavioral Science (ACBS), localizada na cidade de Winterhur, na Suíça.
O primeiro grupo foi selecionado por meio da indicação de um psicólogo alemão que é especializado em FAP. No site mencionado, constam nomes de 3.636 profissionais de orientação teórica comportamental que atuam nas 30 maiores cidades da Alemanha. Desses, foram convidados apenas os graduados em Psicologia, sendo 10 psicólogos da cidade de Aachen, 243 de Berlin, 2 de Bielefeld, 11 de Bochum, 41 de Bonn, 9 de Bremen, 7 de Darmstadt, 14 de Dortmund, 9 de Dresden, 45 de Düsseldorf, 21 de Essen-Ruhr, 41 de Frankfurt am Main, 21 de Freiburg im Breisgau, 68 de Hamburg, 7 de Hannover, 22 de Heidelberg-Neckar, 6 de Karlsruhe, 109 de Köln, 6 de Konstanz, 9 de Leipzig, 6 de Mannheim, 5 de Mülheim an der Ruhr, 79 de München, 5 de Münster-Westfalen, 1 de Nürnberg, 5 de Offenbach am Main, 8 de Potsdam, 5 de Saarbrücken, 12 de Stuttgart e 20 de Wiesbaden. Os demais profissionais não foram convidados por não haver informações sobre seus contatos no site ou por não preencherem os pré-requisitos para sua participação, como não serem graduados em Psicologia.
Uma segunda forma de recrutar participantes consistiu em um contato feito pela pesquisadora com um dos presidentes da DGKV, que encaminhou um convite com os questionários do estudo aos e-mails dos membros da associação. Assim, fizeram parte da amostra os participantes que responderam ao questionário on-line. Dos 1.586 psicólogos convidados a responder ao questionário, 50 o completaram e 1.536 escolheram livremente não responder.
Instrumentos
Foi utilizado um questionário denominado “Funktional-analytische Psychotherapie in Deutschland – Anwendung und Akzeptanz” (Psicoterapia Analítica Funcional na Alemanha – usos e aceitabilidade), construído pela primeira autora. As perguntas foram divididas em dois conjuntos, sendo que o primeiro foi composto por cinco questões em escala Likert de quatro pontos – nunca, raramente, frequentemente e sempre –, solicitando que o terapeuta informasse a frequência com que utilizava em sua prática clínica intervenções que lhes foram descritas e que eram correspondentes aos procedimentos na FAP, isto é, às cinco regras para o terapeuta da FAP. O segundo conjunto de perguntas do questionário foi composto por cinco questões em escala Likert de quatro pontos – absolutamente contraproducente, eventualmente contraproducente, relativamente terapêutico e absolutamente terapêutico –, solicitando a avaliação do terapeuta sobre aquelas intervenções descritas no conjunto anterior. Ambos os conjuntos, portanto, focaram os mesmos procedimentos terapêuticos, baseando-se em cada uma das cinco regras da FAP. Além disso, foram formuladas duas questões de múltipla escolha, uma delas a respeito dos tipos de terapias que os psicólogos utilizam na prática clínica, e a outra investigando o conhecimento deles sobre a obra de Skinner.
Aspectos éticos
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Setor de Ciências da Saúde da UFPR, tendo registro na Plataforma Brasil CAAE 50128815.6.0000.0102. Todos os aspectos éticos foram seguidos conforme a resolução 466/2010. No cabeçalho do questionário, constaram informações sobre a pesquisa e sobre o consentimento livre e esclarecido, de modo que os psicólogos tiveram condições de optar por prosseguir ou interromper sua participação na pesquisa.
Local
Os participantes responderam aos instrumentos em ambiente on-line. A análise dos dados foi feita no Laboratório de Estatística Aplicada da Universidade Federal do Paraná.
Procedimentos
A primeira etapa foi a realização de um estudo preliminar para calibrar o instrumento. Após realização do reajuste necessário no questionário, nos dias 11, 12, 13, 14 e 15 de maio de 2016, os 847 participantes selecionados por meio do site Therapie , receberam um e-mail informando sobre a pesquisa. Eles acessaram o link fornecido , aceitaram as condições propostas no TCLE e responderam ao questionário. Dos e-mails enviados, dez retornaram com a resposta automática informando sua inexistência. Até o dia 20 de maio, foram obtidas 15 respostas. Um novo envio foi realizado nos dias 14, 15, 16, 17 e 18 de junho. Foi acrescentado um aviso para aqueles que já haviam respondido anteriormente. Foram obtidas 16 novas respostas. No dia 24 de junho, foi enviado um e-mail para a coordenação da DKGV solicitando auxílio na distribuição dos questionários aos membros. Foram realizados quatro contatos com o primeiro grupo de participantes, dos quais retornaram dez respostas. No dia 28 de julho, um dos presidentes da DKGV enviou um e-mail à pesquisadora primeira autora informando que o link do questionário fora encaminhado para os 139 membros da associação naquela mesma data. Os questionários respondidos foram acessados exclusivamente pelo login da pesquisadora, primeira autora do artigo, garantindo o sigilo dos participantes.
ANÁLISE DOS DADOS
A análise dos dados consistiu na utilização de análise descritiva e exploratória e técnicas estatísticas multivariadas. No que diz respeito às técnicas multivariadas, foi aplicada a análise de clusters (cluster analysis), com a finalidade de agrupar as terapias conforme sua frequência de aplicação conjunta (Chatfield & Collins, 2013), e a análise fatorial exploratória, para analisar as correlações entre as variáveis do instrumento e identificar fatores subjacentes comuns (Pasquali, 2009; Johnson & Wichern, 2002).
Como medida de dissimilaridade entre os pares de terapia, foi considerada a proporção de psicólogos que, para um particular par de terapias, utilizem uma delas e não a outra. Importante ressaltar que, no contexto da presente aplicação de análise de clusters, similaridade entre técnicas remete à frequência com que elas são aplicadas conjuntamente, e não à similaridade das abordagens e de seus componentes. Adicionalmente, a análise foi fundamentada em um procedimento hierárquico aglomerativo em que, em um primeiro passo, cada técnica correspondia a um cluster. Nos passos seguintes, as técnicas foram sucessivamente agrupadas, sempre priorizando o agrupamento de técnicas (ou grupos delas) menos dissimilares. Para efeito de definição dos agrupamentos a serem realizados em cada etapa, foi utilizado o algoritmo de Ward, que se baseia na minimização das variâncias intra-clusters. O método da silhueta foi aplicado para determinação do número de clusters, escolhendo-se o número de grupos que produziu maior valor médio de silhueta (Rousseeuw, 1987).
Já em relação à aplicação da análise fatorial exploratória, foi utilizado o método de mínimos quadrados para estimação das cargas fatoriais e comunalidades. A determinação do número de fatores foi feita com base em análise paralela (Floyd & Widaman, 1995). Aplicou-se rotação Varimax para a obtenção de uma solução mais clara quanto à composição dos fatores. O coeficiente KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) foi aplicado para avaliar a existência de estrutura de correlação entre as variáveis. A análise foi conduzida com base na matriz de correlações policóricas, apropriada para análise de variáveis em escala ordinal (Kotz & Johnson, 1986). Consideramos KMO superior a 0,60 como satisfatório. Todas as análises foram realizadas no software R, pacotes psych para a análise fatorial e polycor para o cálculo das correlações policóricas. Além disso, foi conduzida uma análise descritiva e exploratória da frequência do uso das cinco regras da FAP pelos psicólogos alemães e sua avaliação sobre a eficácia delas.
RESULTADOS
Dentre os 50 participantes que retornaram o questionário, 32 (64%) eram do sexo feminino e 18 (36%) do sexo masculino. A idade média dos participantes foi de 44,5 anos, e o desvio padrão foi 8,7 (DP=8,7). O tempo médio de atuação dos psicólogos foi de 10,8 anos, e o desvio padrão foi 8,6 (DP=8,6).
Caracterização da amostra
A Terapia Cognitivo-Comportamental é uma das terapias mais utilizadas pelos psicólogos alemães, e 80% a utilizam (Figura 1). Em seguida, encontram-se a Terapia Comportamental (TC)1 – designação utilizada somente no Brasil para identificar a terapia comportamental de base behaviorista –, com 66% de uso, e a ACT, com 58% dos psicólogos relatando utilizá-la no contexto clínico. As demais terapias apresentam porcentagens de uso mais baixos, com 8% para a Terapia Sistêmica (TS), 20% para a Hipnose (HI), 24% para a Psicoterapia Breve (PB) e 28% para a Dessensibilização e Reprocessamento por Movimentos Oculares (EMDR). A FAP foi citada por 24% dos psicólogos, que responderam afirmativamente quanto ao seu uso. Os participantes que mencionaram as práticas denominadas “outras”, 30% da amostra, mencionaram a Terapia do Esquema, a Terapia Centrada no Ego, a Terapia de Ativação Comportamental (BA) e a Terapia Comportamental Dialética (DBT).
A Figura 2 indica o dendrograma resultante da análise de clusters. Ela indica que os psicólogos se dividem basicamente em três grupos. Um deles faz uso combinado da ACT, TC, TCC, FAP, sendo que a TC, ACT e TCC estão mais próximas, ou seja, são utilizadas conjuntamente com maior frequência. O outro grupo faz uso combinado da TS e da PB, e o último grupo faz uso combinado da EMDR e da HI. A TS e a PB apresentam maior frequência de uso conjunto em relação à EMDR e HI, que também são utilizadas frequentemente de forma combinada.
Usos e aceitação das técnicas similares às cinco regras da FAP
A Figura 3 apresenta cinco gráficos contendo a frequência indicada com que as cinco regras da FAP são utilizadas pelos psicólogos. De forma geral, os psicólogos alemães já utilizaram as cinco regras. Em relação ao procedimento correspondente a prestar atenção a comportamentos relevantes do cliente na relação com o terapeuta, 8% relataram que raramente o fazem, 36% afirmaram que frequentemente o fazem e 56% disseram que sempre os observam. Quanto ao procedimento de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica, 24% relataram que raramente o fazem, 60% frequentemente o fazem, e 16% sempre o fazem. Dos entrevistados, 8% responderam que raramente consequenciam esses comportamentos, 38% frequentemente utilizam esse procedimento, e 54% sempre o utilizam.
Figura 1. Distribuição de frequências das terapias utilizadas conforme relato dos psicólogos participantes
Figura 2. Análise de clusters para as diversas terapias praticadas por psicólogos comportamentais alemães
Em relação ao procedimento de observar os efeitos de seu comportamento no cliente, 6% dos participantes relataram que raramente o fazem, 44% afirmaram que frequentemente o fazem, e 50% relataram que sempre utilizam esse procedimento. Quanto ao procedimento de fornecer interpretações ao cliente e programar estratégias de generalização, 50% dos participantes responderam que frequentemente o fazem, enquanto 34% sempre o fazem, e 16% raramente o utilizam.
Figura 3. Frequência com que os psicólogos participantes utilizam os procedimentos similares às cinco regras da FAP
A Figura 4 apresenta cinco gráficos contendo a avaliação dos psicólogos sobre as intervenções correspondentes aos procedimentos terapêuticos das cinco regras da FAP. A maior parte dos psicólogos avaliou as intervenções como eficazes. Em relação ao procedimento que envolve observar comportamentos relevantes do cliente na relação com o terapeuta, 18% afirmaram que ele funciona às vezes, 35% avaliam que ele funciona na maioria das vezes, e 47% responderam que o procedimento sempre funciona. No que diz respeito ao procedimento de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica, 47% avaliam que ele funciona na maioria das vezes, 29% relataram que ele às vezes funciona e 24% avaliam que ele sempre funciona.
Quanto ao procedimento de consequenciar os comportamentos relevantes, 6% dos psicólogos consideram que o procedimento funciona somente às vezes, e 39% consideram que ele funciona na maioria das vezes. Dos participantes, 55% consideram que consequenciar comportamentos relevantes na relação com o terapeuta sempre funciona. Observar os efeitos que seu próprio comportamento tem sobre o cliente é um procedimento que 56% dos participantes consideram que sempre funciona, 38% dos participantes consideram que o procedimento funciona na maioria das vezes, e 6% dos participantes consideram que o procedimento funciona às vezes. Quanto ao procedimento de fornecer interpretações ao cliente e programar estratégias de generalização, 49% relatam que sempre funciona, 35% que funciona na maioria das vezes, e 16% consideram que ele funciona às vezes.
Figura 4. Avaliação dos psicólogos participantes em relação aos procedimentos similares às cinco regras da FAP
A Figura 5 indica o diagrama resultante da análise fatorial exploratória para as variáveis referentes às questões que avaliam a frequência de usos de procedimentos terapêuticos similares aos das cinco regras da FAP. O primeiro fator, nomeado no presente estudo como modelagem direta e promoção de generalização, demonstra maiores correlações (cargas fatoriais) com os procedimentos de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica (Q2) e de fornecer interpretações funcionais ao cliente e programar estratégias de generalização (Q5) e o procedimento de consequenciar comportamentos relevantes na relação terapêutica (Q3), embora apresentando menor carga em relação à última. Já os procedimentos de prestar atenção a comportamentos relevantes do cliente na relação com o terapeuta (Q1) e de observar os efeitos de seu comportamento no cliente (Q4) apresentam maiores cargas e, portanto, estão mais fortemente correlacionados ao segundo fator, nomeado no presente estudo como observação de comportamentos e interações terapeuta-cliente.
Os procedimentos de observar CRBs do cliente na relação com o terapeuta (Q1) e de fornecer interpretações funcionais ao cliente e programar estratégias de generalização (Q5) são os mais bem explicados pelos fatores resultantes da análise (comunalidades iguais a 0,995 e 0,826, respectivamente), enquanto o procedimento de reforçar CRBs (Q3) apresenta menor comunalidade, indicando menor correlação com os fatores constituídos. Os dois fatores, conjuntamente, explicam pouco mais de 60% da variação original dos dados, e o valor do índice KMO (0,75) é classificado na literatura como bom ou ótimo.
Figura 5. Análise Fatorial das questões que avaliam a frequência de usos de procedimentos semelhantes à modelagem direta e à promoção de generalização e de usos de procedimentos semelhantes à observação de comportamentos e interações terapeuta/cliente
A Figura 6 indica o diagrama resultante da análise fatorial das avaliações. O primeiro fator, nomeado no presente estudo como modelagem direta na sessão, apresenta forte correlação (carga fatorial) com o procedimento de prestar atenção aos comportamentos relevantes do cliente na relação com o terapeuta (Q1: 0,953), seguido pelos procedimentos de consequenciar comportamentos relevantes (Q3), de observar os efeitos de seu comportamento no cliente (Q4) e de fornecer interpretações ao cliente e programar estratégias de generalização (Q5).
Já o segundo fator, nomeado no presente estudo como manejo de comportamentos do cliente, apresenta maior carga fatorial associada ao procedimento de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica (Q2), com correlações um pouco menos intensas associadas aos procedimentos similares aos procedimentos de observar os efeitos de seu comportamento no cliente (Q4) e de fornecer interpretações ao cliente e programar estratégias de generalização (Q5). Os resultados indicam a baixa correlação entre os procedimentos de observar CRBs do cliente na relação com o terapeuta (Q1) e de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica (Q2) – que são alocadas a constructos distintos. Indicam também baixa correlação entre os procedimentos de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica (Q2) e de reforçar CRBs (Q3) (vide as cargas do segundo fator). Além disso, os resultados apontam que os procedimentos de observar os efeitos de seu comportamento no cliente (Q4) e de fornecer interpretações ao cliente e programar estratégias de generalização (Q5) apresentam correlações moderadas tanto em relação aos procedimentos similares à questão 1, quanto à questão 2. Importante salientar que, nas duas análises, todas as cargas fatoriais têm o mesmo sinal (positivo), indicando correlação positiva entre as variáveis (em menor ou maior intensidade, a depender das cargas). Os dois fatores explicam, conjuntamente, 72,7% da variação original dos dados. O valor calculado do índice KMO (0,64) é admitido na literatura como razoável ou bom.
Figura 6. Análise fatorial das questões que analisam a avaliação dos terapeutas quanto ao efeito terapêutico de procedimentos envolvendo modelagem direta na sessão e manejo de comportamentos relevantes do cliente
DISCUSSÃO
Os dados são discutidos em torno de quatro aspectos: i) o uso da FAP pelos terapeutas alemães participantes do estudo; ii) a frequência com que técnicas similares às da FAP são empregadas em suas práticas clínicas; iii) a avaliação que os participantes fazem do valor terapêutico das técnicas (aceitabilidade); bem como iv) as possíveis preferências na combinação das técnicas durante a terapia. Então são feitas considerações sobre a transculturalidade na FAP.
Quanto ao uso da FAP pelos terapeutas alemães participantes, observa-se que ele é menor (24%) comparativamente ao uso de outras terapias, a saber: a TCC (80%), a TC (66%) e a ACT (58%). Talvez o pouco uso da FAP relativamente às demais terapias deva-se à escassez de ofertas de cursos e workshops sobre a FAP na Alemanha. Além disso, a maioria dos profissionais relatou aplicar a FAP combinando-a com outras terapias também incipientes na Alemanha, como a BA e a DBT. Assim, quanto ao uso das terapias, os profissionais podem ser distintos em dois conjuntos: o que aplica a ACT, a TCC e a TC de forma combinada e o outro, cujo número é menor, que aplica a FAP, a DBT e a BA.
No que se refere ao emprego de técnicas terapêuticas assumidas no presente estudo como similares às cinco regras da FAP, a maioria dos participantes relatou usá-las sempre ou frequentemente. Embora a aplicação de cada uma das cinco regras de forma independente não caracterize um tratamento em FAP, os dados sugerem que tais regras apresentam aspectos em comum com outras terapias.
Dezesseis por cento dos participantes afirmaram que sempre aplicavam procedimentos similares à evocação de comportamentos clinicamente relevantes, enquanto as outras técnicas terapêuticas foram relatadas por mais profissionais. Em um estudo sobre um treino de evocação e consequenciação realizado com duas terapeutas, observou-se que não houve aumento dos procedimentos de evocação durante as fases de intervenção e reversão (Meurer, 2011). Isso se deve, provavelmente, ao fato de a evocação de comportamentos não ser necessária, caso os comportamentos clinicamente relevantes já estejam ocorrendo. Além disso, a mera evocação de comportamentos relevantes sem o uso do reforço contingente a eles, é insuficiente para produzir melhoras clínicas (Darrow, Dalto, & Follette, 2012; Lizarazo et al., 2015). Então é possível interpretar o baixo uso da técnica de evocação de comportamentos por parte dos terapeutas alemães considerando que seu valor terapêutico depende de outras variáveis dentro da sessão – a ocorrência dos comportamentos sem necessidade de evocação e a viabilidade de seu reforço, caso ocorram. A maioria dos participantes afirmou que sempre utiliza procedimentos similares à consequenciação de comportamentos relevantes, o que adiciona força a essa interpretação.
Uma vez interpretada a frequência do emprego de técnicas similares às da FAP, chega o momento de discutir a avaliação feita pelos profissionais quanto a seu potencial terapêutico. De modo geral, os terapeutas avaliaram o potencial terapêutico das técnicas consistentemente com o que haviam relatado sobre quanto as empregavam. Assim, uma minoria de participantes avaliou procedimentos similares à evocação de comportamentos clinicamente relevantes como absolutamente terapêuticos (sempre funcionam), enquanto a maioria considerou os procedimentos similares ao reforço de comportamentos de melhora como absolutamente terapêuticos (sempre funcionam). Pode-se inferir, portanto, que os terapeutas alemães participantes do estudo, de um modo geral, aceitam procedimentos similares às cinco regras da FAP, tendendo a considerá-las familiares e terapêuticas. Isso está de acordo com a meta-análise realizada por Lambert e Baley, (2001), segundo a qual certos fatores terapêuticos comuns, como a empatia e o acolhimento, foram associados a bons resultados nas terapias.
Passamos, neste momento, a discutir as possíveis preferências na combinação das técnicas similares às da FAP durante a terapia praticada pelos profissionais participantes. Os resultados das análises fatoriais sugerem a existência de dois estilos de intervenção. Assim, os procedimentos de fornecer interpretações funcionais ao cliente e programar estratégias de generalização, de fazer surgir comportamentos relevantes na relação terapêutica e de consequenciá-los tendem a ser usados em conjunto, caracterizando um estilo de terapeuta dentre os que responderam. Já os procedimentos de observar comportamentos relevantes do cliente na relação com o terapeuta e de observar os efeitos de seu próprio comportamento no cliente, cujo uso conjunto foi relatado, parecem fazer parte de um segundo estilo dentre os participantes do estudo. Esses dados levam a supor que, embora os terapeutas tenham sido expostos a contextos de formação, assim como a condições históricas e geográficas equivalentes, eles tendem a adotar certas intervenções terapêuticas consistentes com suas preferências pessoais.
Quanto às questões da transculturalidade na FAP, o presente estudo indicou que os terapeutas alemães participantes relataram usar técnicas semelhantes às da FAP e as consideraram potencialmente terapêuticas. Fong et al. (2016), Vandenberghe (2008) e Vandenberghe et al. (2010) indicaram a relação terapêutica como um ponto de partida para o manejo de sessões com clientes de outras culturas. Esses autores sugerem que o terapeuta desenvolva sensibilidade para as diferenças culturais existentes entre ele e o cliente.
A FAP parece conter propriedades facilitadoras do manejo de diferenças culturais entre terapeuta e cliente. As cinco regras da FAP recomendam a constante observação das interações terapeuta/cliente, assim como seu uso para ajustar os efeitos terapêuticos desejados. Os dados do presente estudo indicaram que, mesmo em contextos culturais distintos, os terapeutas tendem a adotar procedimentos considerados potencialmente terapêuticos. Neste estudo em particular, as técnicas similares às cinco regras da FAP foram consideradas, de algum modo, familiares. Isso faz supor que certos procedimentos terapêuticos independem do contexto cultural e da estratégia psicoterápica adotada.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Uma limitação do presente estudo é o tamanho da amostra, a qual é pequena se comparada ao número de questionários enviados. Portanto os resultados não podem ser estendidos para a população de psicólogos da Alemanha. Além disso, não foram aplicados testes para avaliar a confiabilidade e validade do questionário, os quais seriam importantes para verificar se os participantes responderiam da mesma forma caso o instrumento lhes fosse reapresentado e para checar se as técnicas descritas para os participantes representam as da FAP de maneira acurada (Squires et al., 2013)
Por outro lado, o estudo avança na compreensão de como terapeutas pertencentes a comunidades culturais distintas podem apreciar determinadas técnicas terapêuticas, de modo particular, as da FAP. Os participantes do presente estudo pareceram concordar que os procedimentos da FAP são potencialmente terapêuticos, de modo especial, o reforço dos comportamentos de melhora do cliente. Além disso, os dados abrem questionamentos quanto ao modo como terapeutas de uma mesma formação preferem combinar as técnicas terapêuticas. Finalmente, destaca-se a versatilidade das cinco regras da FAP para moderar diferenças culturais entre terapeuta e cliente.